O Ponto de vista por detrás da realidade criada


Ao passar na serra das Ruças, outro dia, vi, andando na beira da estrada, um desses tipos sem rumo de vida, andrajoso, os cabelos escorridos alourados de poeira e detritos, sem passado, presente ou futuro. Curioso de saber o que pensava uma criatura assim, no último degrau da miséria, sem identidade ou ligação social com quem quer que fosse, parei meu "Fiat" mais na frente, e, saltando, esperei-o. Ao aproximar-se, falei-lhe:
- Seu Zé, poderia dar-me uma informação?  
Respondeu: - Diga.
Prossegui
- É o seguinte: sou professor de História e Psicologia e gostaria que me dissesse no que vinha a pensar, quando o avistei ali atrás. É apenas para um estudo pessoal; nada de importante.
Olhando-me nos olhos, o mendigo sentou-se na elevação do cascalho; tirou do ombro uns restos de cobertor tão sujos quanto ele próprio, e respondeu-me:
- Pensava, meu senhor, num cachorrinho dogue, que, ontem de tarde, encontrei  ferido na rodovia aí em baixo, perto de pombos. Um carro quebrara-lhe os quartos traseiros. Estava ali para morrer, sozinho. Puxei-o mais para o mato e ajeitei-lhe a cabeça no meu colo.  Olhava-me e gemia bem baixinho. Às vezes balançava a ponta do rabo. Acomodei-o, como gostaria que fizessem comigo. E fui, bem devagarzinho, passando-lhe a mão direita sobre os quartos, e ele, como se entendesse, ficou parado, a estremecer aqui e ali. Vi que estava morrendo e comecei a cantar-lhe algumas dessas músicas que se ouvem por aí e as mães ciciam para os filhos, enquanto acariciava lhe a cabeça. E assim, algumas horas depois, olhando-me, e morreu. Enterrei-o ali mesmo, e, como a noite se fosse fechando, arranjei-me no barranco e dormi perto.  Só hoje comecei a subida da serra. Era, meu senhor, na dor daquele bichinho que vinha pensando, quando o senhor me parou.
Estava pasmado!  Não era riqueza ou poder no que aquele homem pensava! E nem em injustiça social ou ódio a seu semelhante. Incrível! Pensava no amor e na compaixão! Tinha, diante de mim, um filho de Deus. Não desses sepulcros caiados, iguais a mim, mas um ser bom, puro, misericordioso nos andrajos da sua fome e necessidades eternas. Não pensava em si ou no vazio de sua caminhada inútil do nada para cousa alguma; sentia, sim, piedade de um pobre animalzinho irracional, ferido de morte e presa da dor angustiante, e que lhe morreu no aconchego dos braços frágeis.


Pensei então, comigo, a lembrar Guerra Junqueiro no poema- O Melro: “Tudo o que existe é imaculado e é santo!  Há em toda a miséria o mesmo pranto e em todo o coração há um grito igual.  Deus semeou  d'almas  o  universo todo. Tudo que o vive ri e canta e chora Tudo foi feito com o mesmo lodo, Purificado com a mesma  aurora. Ó  mistério sagrado da existência, Só  hoje te adivinho,  Ao ver que a alma tem a mesma essência, Pela dor, pelo amor, pela inocência, Quer guarde um berço, quer proteja um ninho!  Só  hoje  sei  que  em  toda a criatura,  Desde a mais bela até à mais impura, ou numa pomba ou numa fera brava, Deus habita, Deus sonha, Deus murmura!  Ah, Deus é bem maior do que eu julgava"

Dei-lhe dez reais e pedi-lhe:
- Permita-me apertar-lhe a mão?
Fitou-me, como se não entendesse. Insisti. Deu-me a mão. Apertei-a e senti, ao partir, que estivera diante de um justo, daqueles que Jesus se honrava de ter como irmão.
Alberto Frederico Lins - ESCRITOR 

Cada pessoa cria sua realidade e conforme esse chão que ela criou ela interpreta a vida e as situação por detrás da obra cocriada com sua própria consciência. São justificativas.

Por, Geilson Ribeiro

Postar um comentário

Meu nome é Geilson Ribeiro, se você gostou e se esse tipo de conteúdo interessa a você, por favor, deixe aqui seu comentário, pois sua opinião pode ajudar a outras pessoas. Compartilhe para que essas informações cheguem a mais gente, esse blog é visitado no mundo inteiro. Gratidão!

Postagem Anterior Próxima Postagem

COMPARTILHAR

"
"