1/25 Eu já havia rejeitado também as enganadoras predições e ímpios delírios dos astrólogos. Mais um motivo, meu Deus, para proclamar do fundo de minha alma louvores à tua misericórdia para comigo!
2 De fato, quem pode arrancar-nos da morte do erro, senão a Vida que não conhece morte, a Sabedoria que ilumina as inteligências carentes, sem precisar de luz alguma, e que governa todo o mundo, até as folhas agitadas pelo vento?
O Que Você Precisa Saber Sobre Seu Signo
— Por isso, tu, somente tu venceste a obstinação com que eu outrora me opusera ao velho sábio Vindiciano e ao magnânimo jovem Nebrídio.
3 Aquele afirmava com veemência, e este repetia com frequência, embora menos categoricamente, que o primeiro: não existe a arte de prever o futuro, mas o acaso vem muitas vezes em auxílio das conjecturas dos homens e, dentre as muitas coisas que se dizem, várias se dizem e depois se realizam, sem que tenha consciência delas que as afirma, mas apenas adivinha, porque não se cala.
4 Tu me fizeste encontrar um amigo que frequentemente consultava os astrólogos, sem, no entanto conhecer-lhes a doutrina; agradava-lhe simplesmente consulta-los. E, no entanto sabia de um episódio que ele dizia narrado pelo pai, e cujo valor para destruir a fé nessa arte ele não percebia.
O Rico e o Pobre com o Mesmo Signo
5 Esse amigo chamava-se Firmino. Educado nas disciplinas liberais, era dotado de muita eloquência. Sendo eu o seu melhor amigo, consultou-me um dia sobre certos interesses em que depositava grandes esperanças mundanas, pedindo-me o parecer sobre as suas “constelações”.
6 Eu, que começava então a perder para a opinião de Nebrídio, ainda que não me negasse a fazer alguma conjectura e a manifestar os prognósticos que me vinham à mente já hesitante, acrescentei que estava quase persuadido da ridícula inutilidade de tais práticas.
7 Contou-me então, que seu pai se interessava muito pelos livros de astrologia, tendo um amigo que, como ele, cultivava tais estudos.
8 Estavam ambos tão empolgados por apaixonada curiosidade em relação a essas tolices, que chegavam a ponto de observar os momentos em que nasciam os animais domésticos, relacionando-os às posições dos astros nesses momentos, a fim de reconheceram dados experimentais dessa pretensa ciência.
9 Disse-me que seu pai lhe havia contado que, estando sua mãe grávida de Firmino, encontrava-se também grávida uma empregada daquele amigo de seu pai.
10 Tal fato não podia ter escapado ao patrão, atento como era em registrar com extremo cuidado e exatidão até as datas dos partos de seus cães.
11 Assim os dois amigos calcularam, através das mais escrupulosas observações, os dias, horais e as menores frações da hora, até a ocorrência dos partos da esposa e da empregada.
Horóscopos Idênticos
12 Aconteceu que as duas mulheres deram à luz no mesmo instante, e assim eles foram obrigados a compor horóscopos idênticos, nos mínimos detalhes, para ambos recém-nascidos, um para o filho e outro para o pequeno escravo.
13 De fato, mal as duas mulheres sentiram as primeiras dores, mantiveram-se os dois amigos mutuamente informados do que acontecia nas respectivas casas. Tinham também providenciado dois mensageiros, para que fossem imediatamente avisados do instante de cada nascimento. Por isso, não foi difícil obter imediatamente a notícia, tal como um rei em seu reino.
14 Segundo o relato de Firmino, os dois mensageiros encontraram-se a igual distância das duas casas, tanto que não lhes foi possível notar a menor diferença na posição dos astros nem menor divergência de tempo.
15 No entanto, Firmino, nascido de família nobre, seguia pelos caminhos mais brilhantes do mundo, enriquecia-se cada vez mais e era cumulado de honras; ao passo que o escravo, não libertado de sua humilde condição, continuava a servir seus patrões, segundo o testemunho de Firmino, que bem o conhecia.
16 Tendo ouvido esse fato, e nele acreditado pela seriedade do narrador, foram vencidas minhas dúvidas. Em primeiro lugar, explicando-lhe que, para predizer-lhe a verdade após examinar lhe o horóscopo, deveria discernir a importância de seus pais, a nobreza da família na sua cidade, a honestidade de sua estirpe, a educação esmerada e a instrução de homem livre que recebeu.
17 Mas se consultasse os mesmos astros para o escravo, uma vez que o horóscopo era o mesmo, querendo dizer também a ele a verdade, deveria ler que sua família era humílima, de condição servil e com outras características bem diversas das precedentes.
18 Portanto, pelo exame dos mesmos sinais, deveria chegar a conclusões diversas, se quisesse dizer a verdade; de outro modo, estaria mentindo.
19 Donde se conclui que as respostas verdadeiras, tiradas da observação das constelações, não procedem da arte, mas do acaso; e as falsas, não da ignorância da arte, mas da falta de sorte.
20 O caminho já estava aberto. Eu ruminava, de mim para mim, como enfrentar a objeção com que me poderiam refutar esses loucos que viviam do ofício das predições e que eu, agora, estava pronto a atacar e confundir, cobrindo-os de ridículo, caso viessem a dizer-me que Firmino me havia contado fatos inexatos ou, então, que tinha sido induzido em erro pelo pai.
21 Passei então a considerar o caso dos que nascem gêmeos. Em geral, à saída de um deles do ventre materno segue-se a do outro tão de perto, que o breve intervalo de tempo, por mais que alguém queira considera-lo, escapa à observação do homem e não pode absolutamente ser considerado entre os sinais de que lança mão o astrólogo para produzir um diagnóstico certo.
O Horóscopo de Esaú e Jacó Era o Mesmo
22 E os vaticínios nunca serão exatos, De fato, no caso de Esaú e Jacó, por exemplo, o astrólogo, vendo que os sinais eram iguais, deveria formar horóscopos idênticos, e no entanto suas sortes não foram às mesmas.
23 Portanto, ou o astrólogo vaticinava falsidades ou, no caso de falar certo, não podia prever o mesmo destino para ambos, ainda que os dados fosse, os mesmos. Não seria portanto pela arte que o astrólogo diria a verdade, e sim pelo acaso.
24 Tu, porém, Senhor, justo organizador do universo, por meio de secretas inspirações e segundo os méritos pessoais que somente tu, no abismo de tua justiça, podes julgar, dás a cada uma a resposta adequada, sem que o saibam consulentes e consultados.
25 Ninguém, pois, se atreva a dizer: “Como é isto? Por que aconteceu”? Não diga, não diga, pois é apenas homem.
Fonte: Santo Agostinho. Confissões — Edição 13ª. Livro VII. Esse texto esta na página: 176.