1. No final do século 18, Jeremy Bentham concebeu o conceito de panóptico, uma estrutura arquitetônica e social que permitia a vigilância constante de indivíduos, sem que eles soubessem exatamente quando estavam sendo observados. Esse modelo, idealizado para prisões, era mais do que um mero exercício de controle físico; era um experimento psicológico, onde o simples conhecimento de poder ser vigiado a qualquer momento induzia a obediência e a auto-regulação.
2. Séculos depois, Michel Foucault e Gilles Deleuze expandiram esse conceito para além das paredes das prisões. Foucault, em sua obra "Vigiar e Punir", analisou como as instituições modernas — escolas, hospitais, fábricas — replicaram esse modelo de vigilância como uma forma de controle social. Deleuze foi além, sugerindo que vivemos em uma "sociedade de controle" onde as disciplinas rígidas e espaços confinados (como as prisões e escolas) cedem lugar a formas mais difusas e contínuas de monitoramento.
3. Avançando para o século 21, Shoshana Zuboff, professora emérita de Harvard, trouxe à tona o termo "capitalismo de vigilância" para descrever nossa realidade contemporânea. Zuboff argumenta que os atuais sistemas de coleta de dados — alimentados por nossas interações online, dispositivos móveis e redes sociais — constituem uma nova forma de controle, onde informações pessoais são extraídas, analisadas e comercializadas para prever e influenciar comportamentos.
4. Nesse contexto, somos tanto consumidores quanto produtos. Nossos dados são extraídos e transformados em previsões sobre nossas ações futuras, que são então vendidas para fins de lucro. A customização extrema da nossa experiência online, que nos proporciona o prazer de ver conteúdos que nos interessam, também nos aprisiona em bolhas de informação. Enquanto navegamos alegremente por feeds personalizados, fornecemos, sem resistência, dados que alimentam esse sistema.
5. Em retrospectiva, o livro "1984", de George Orwell, se revela quase modesto em suas previsões. As "teletelas" imaginadas por Orwell, que permitiam ao Grande Irmão vigiar todos os cidadãos, tornaram-se onipresentes e mais invasivas do que ele jamais poderia ter imaginado. Nossos smartphones, câmeras de segurança, assistentes virtuais e até eletrodomésticos conectados à internet, todos servem ao propósito de vigilância contínua, com a justificativa de oferecer conveniência e liberdade.
6. O paradoxo está justamente aí: em nome da liberdade e da democracia, aceitamos as algemas digitais. A ilusão de autonomia nos conforta, enquanto os algoritmos decidem o que vemos, o que consumimos e até como pensamos. A prisão moderna é invisível e, por isso, mais eficaz. Afinal, como pode haver uma Revolução Francesa quando cada cidadão se sente feliz, navegando dentro de sua própria Bastilha digital?
7. Setembro nos convida a refletir sobre essa realidade. Estamos realmente conscientes do custo da nossa "liberdade"? Ou estamos satisfeitos demais com as comodidades oferecidas para questionar as algemas que, de forma quase imperceptível, nos prendem? Este mês pode ser o momento de olharmos para além das telas e considerarmos o verdadeiro preço da vigilância em massa. Porque, no final das contas, o sistema ideal de controle não é aquele que força, mas sim aquele que seduz — e nos faz pensar que escolhemos ser vigiados.
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