Há uma parábola que circula entre conversas e reflexões, quase como um eco da sabedoria popular: "Alimente um cão por três dias e ele se lembrará de você por trinta anos. Alimente um humano por trinta anos e ele te esquecerá em três dias." Em sua simplicidade, a frase evoca uma profunda inquietação sobre a natureza humana, a volatilidade das nossas relações e o quanto, no fundo, somos todos movidos por algo mais complexo do que gratidão ou reconhecimento superficial.
Mas o que essa parábola nos sugere, além da aparente ingratidão humana? Ela nos convida a refletir sobre o que realmente nos conecta uns aos outros. Não são as perfeições que cativam, nem as luzes idealizadas. Pelo contrário, são as falhas, os cacos quebrados, as fragilidades que tornam possível uma conexão verdadeira. Quando insistimos em projetar uma imagem polida, imaculada e cheia de luz, podemos afastar as pessoas em vez de aproximá-las. A busca pela perfeição, pela invulnerabilidade, cria um distanciamento, uma barreira invisível, onde a humanidade genuína se esvai.
1 A Beleza dos Cacos Quebrados
A tentativa de conectar-se apenas através de uma fachada perfeita ou de uma “luz” inatingível acaba sendo infrutífera. Pessoas não se ligam à perfeição, porque esta é inalcançável, distante. Conectamo-nos, de fato, por meio de nossas dores, incertezas e desafios comuns. O que faz o vínculo verdadeiro é a capacidade de reconhecer que o outro também está navegando as mesmas águas turbulentas da existência, repletas de dúvidas e falhas.
2 Não Forçar a Conexão: O Ato de Alimentar com Amor
Na vida, muitas vezes temos a tendência de tentar "corrigir" ou "iluminar" aqueles ao nosso redor, especialmente quando percebemos suas falhas ou sofrimento. Acreditamos que podemos puxá-los para uma luz superior, para um estado de perfeição ou completude que imaginamos ser o ideal. No entanto, forçar uma pessoa cheia de imperfeições a se conectar com a luz é, na verdade, um ato de desconexão. Porque essa tentativa de “conserto” anula a individualidade, a história e o ritmo da outra pessoa.
A verdadeira transformação, seja dentro de nós mesmos ou no mundo ao nosso redor, não ocorre à força. Ela acontece através de um ato sutil e constante: alimentar com amor. Alimentar com compreensão, compaixão e paciência. É nesse ato de alimentar, dia após dia, mesmo sem a expectativa de retorno imediato, que os milagres acontecem. Às vezes, o simples ato de estar presente, de nutrir, de estender a mão quando necessário, pode ser o catalisador de mudanças que nem sempre são visíveis, mas que são profundamente significativas.
3 A Gratidão e o Tempo
A parábola sugere, de maneira provocativa, que o ser humano tende a esquecer rapidamente o bem que lhe é feito. E, de fato, em um mundo onde tudo é veloz e efêmero, onde as conexões muitas vezes parecem se desvanecer em um piscar de olhos, essa impressão de ingratidão pode ser avassaladora. No entanto, isso não deve nos levar ao cinismo ou ao desespero. A gratidão humana pode, de fato, ser menos instantânea e mais complexa, mas ela se expressa de formas inesperadas e ao longo do tempo.
Nem sempre a gratidão é imediata, assim como nem sempre as flores desabrocham no momento em que as plantamos. O desafio está em continuar a semear, em acreditar na força do amor, na conexão que se dá através da aceitação das imperfeições. Esse é o milagre que acontece quando menos esperamos: o vínculo que, mesmo não forçado, floresce no tempo certo.
4 Conclusão: Entre o Amor e o Milagre
No fundo, a verdadeira conexão humana está muito além da gratidão superficial ou do reconhecimento imediato. Ela reside em nossa capacidade de nos conectarmos com os cacos quebrados de nós mesmos e dos outros. Alimente com amor, paciência e presença. O milagre da conexão, quando acontece, não está na perfeição do outro, mas na aceitação mútua das nossas imperfeições.
É um desafio, mas também uma oportunidade: o de nos libertarmos da necessidade de consertar e moldar o outro, e simplesmente estarmos lá, alimentando com amor. Pois, no fim, é esse amor constante que gera as conexões mais profundas e, por vezes, até os milagres.
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