1 A culpa é um dos sentimentos mais poderosos que atravessa o discurso
religioso. Desde tempos imemoriais, ela tem sido um componente fundamental na
narrativa religiosa, sendo usada para guiar, limitar e até definir o que é
certo e errado. É como uma sombra persistente que nos lembra constantemente dos
limites que não devemos ultrapassar, das faltas que não devemos cometer. Mas,
talvez o mais intrigante seja como essa sombra é, muitas vezes, incorporada a
nós de maneira quase imperceptível, como se fosse parte intrínseca de nossa
identidade. Durante grande parte da vida, muitos de nós carregamos essa herança
sem questioná-la, sem nos perguntar de onde ela veio e se, de fato, nos
pertence. E a questão central se torna: o quanto dessa culpa é realmente nossa?
O quanto ela é resultado de uma narrativa que foi cuidadosamente construída e
repetida ao longo das gerações?
3 É importante reconhecer que, embora a culpa possa ter aspectos positivos,
como nos ajudar a refletir sobre nossas ações e a evitar comportamentos que
prejudiquem os outros, o problema surge quando ela passa a ser uma ferramenta
de controle. Em muitos discursos religiosos, a culpa se transforma em uma
amarra invisível que prende as pessoas a uma maneira de ser e de viver,
limitada por medo e vergonha. É uma forma de manter a obediência, de garantir
que os fiéis permaneçam dentro de certos limites morais. Ao longo dos séculos,
esse tipo de culpa estrutural foi tão profundamente enraizado que passou a ser
um hábito, algo que carregamos como um fardo, sem perceber que estamos sempre
nos medindo por padrões que talvez nem façam mais sentido.
4 Para aqueles que cresceram dentro desse contexto, é fundamental questionar:
quem, de fato, construiu essas regras? Até que ponto essas normas refletem
valores genuinamente nossos e até que ponto são uma herança imposta? Pensar
sobre isso é o primeiro passo para a libertação. Quando começamos a analisar de
onde vem essa culpa, por que ela existe, quais narrativas a sustentam, abrimos
espaço para a autonomia. Nesse ponto, nos permitimos considerar que é possível
viver de uma forma mais leve, guiados por princípios que fazem sentido para nós
e não por uma herança de medo.
5 E o que acontece quando finalmente percebemos que é seguro viver sem essa
culpa? Uma nova narrativa pode surgir, uma narrativa construída por nós mesmos.
Não se trata de abandonar completamente qualquer senso de responsabilidade ou
de ética, mas sim de substituir uma moralidade imposta por uma ética pessoal,
fruto da reflexão e da experiência de vida. Começamos a moldar uma nova
identidade, uma nova personalidade, que se constrói a partir de uma liberdade
genuína e consciente. Esse processo não é simples e muitas vezes demanda tempo
e coragem, mas é profundamente transformador.
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