O Volume
III da Suma Teológica compreende a Primeira Seção da Segunda Parte
(Prima Secundae), especificamente da Questão 1 à 48, Artigo 3, na
qual São Tomás de Aquino trata da vida moral humana, isto é, do fim
último do homem, de seus atos, paixões e hábitos. Aqui, o enfoque sai da
teologia especulativa sobre Deus e a Criação (I Parte) e entra no campo da teologia
moral, inaugurando uma antropologia ética de caráter racional e
teologicamente orientada.
Essa
parte é de extrema importância porque estabelece os fundamentos da moral cristã
com base na natureza racional do ser humano, na busca pelo bem e na ordenação
dos desejos ao fim último, que é Deus. A racionalidade, a liberdade e a
graça entram em diálogo para formar uma ética objetiva, teleológica e
profundamente integrada à metafísica cristã.
1. Questões 1 a 5 – O fim último do homem
Tomás
começa sua reflexão ética perguntando: “Qual é o fim último do homem?”.
Essa questão é a chave para toda a moral tomista. Ele responde que o fim último
do homem não é algo exterior, como riqueza ou poder, mas a visão beatífica
de Deus – a união com Deus na eternidade.
- Na Questão 1, Aquino
examina se o homem age por um fim, e conclui que todos os atos humanos são
orientados por um fim desejado.
- O fim último é o bem
supremo, que cessa o desejo, porque a alma humana foi criada para ele. Esse
fim não pode ser múltiplo, nem algo inferior, pois só Deus satisfaz
plenamente a vontade humana.
Nas Questões
2 a 5, São Tomás analisa fins falsos: riqueza, honra, glória,
prazer, poder. Ele reconhece que todos têm atrativos e podem ser desejados como
bens, mas nenhum deles é o bem absoluto. Apenas Deus, como o sumo bem,
pode ser o fim último verdadeiro, pois Ele é a causa e o termo de todas
as coisas.
2. Questões 6 a 17 – Os atos humanos
Essas
questões tratam dos atos humanos propriamente ditos, ou seja, aqueles
que provêm da razão e da vontade. Tomás distingue entre atos humanos
(voluntários e racionais) e atos do homem (involuntários, como digestão
ou batimentos cardíacos).
- A vontade é a
potência racional que move os atos voluntários.
- A liberdade é definida como
a capacidade de escolher entre meios diversos para alcançar o bem.
Tomás
também discute o papel da intenção, da eleição, do consentimento,
da deliberação, e da execução do ato. A moralidade depende da
ordem dessas fases e de sua adequação ao fim último.
Um ponto
crucial é a ordem dos atos exteriores aos interiores: a ação externa só
é moralmente boa se estiver orientada por uma vontade reta. Além disso, a
moralidade dos atos humanos é determinada por três elementos:
- O objeto (o que se faz)
- O fim (por que se faz)
- As circunstâncias (em que contexto se faz)
3. Questões 18 a 21 – A bondade e malícia dos atos
Tomás
aprofunda os critérios da moralidade. Um ato é bom quando todos os seus
elementos são bons. Se algum deles for mau, o ato será moralmente mau.
- A intenção boa não
justifica um ato mau (como mentir para ajudar alguém).
- Um ato pode ser bom em si,
mas tornar-se mau por causa das circunstâncias.
A moralidade
objetiva dos atos é sustentada contra subjetivismos ou relativismos: mesmo
que uma pessoa não tenha consciência plena do mal, isso não muda a natureza do
ato em si, embora possa mitigar sua culpa.
4. Questões 22 a 48 – As paixões da alma
A partir
da Questão 22, Tomás inicia um tratado brilhante sobre as paixões,
que são movimentos da parte sensitiva do homem em direção ao bem ou em fuga do
mal.
- Tomás não condena as
paixões, mas as ordena: elas são boas quando guiadas pela razão.
- O pecado, muitas vezes, é
causado não pela paixão em si, mas pela desordem causada por uma vontade
enfraquecida ou uma razão obscurecida.
Ele
organiza as paixões segundo o esquema aristotélico, agrupando-as em dois
grandes gêneros:
- Concupiscíveis: amor, ódio, desejo,
aversão, prazer, tristeza.
- Irascíveis: esperança, desespero,
coragem, medo, ira.
A paixão
mais fundamental é o amor, porque todas as outras se organizam em
torno dele: deseja-se o bem que se ama, teme-se perder o que se ama, alegra-se
ao possuí-lo, etc.
5. A ordem das paixões e a virtude moral
Tomás
mostra que o ser humano, movido por paixões, só será bom moralmente se a razão
governar esses movimentos. O ideal é uma harmonia entre razão, vontade e
afetividade, em que as paixões se tornam auxiliares da virtude.
- A virtude moral não
elimina as paixões, mas as regula.
- A virtude teologal,
por sua vez, eleva a alma ao sobrenatural.
O pecado,
nesse sentido, é fruto de um desequilíbrio entre essas partes da alma.
Um ser humano virtuoso é aquele que ama o bem verdadeiro com todas as suas
potências ordenadas.
6. Liberdade, deliberação e responsabilidade
Tomás de
Aquino sustenta que a liberdade humana não consiste em "fazer o que se
quer", mas na capacidade de escolher o verdadeiro bem, mesmo que
isso envolva esforço, renúncia ou sofrimento. A liberdade está para a verdade
assim como a vontade está para o bem.
- O ato voluntário implica conhecimento
e consentimento.
- Quando há ignorância
invencível ou coerção absoluta, a imputabilidade moral pode ser diminuída.
Esse
arcabouço teórico é a base de toda a ética cristã objetiva, mas aberta à
individualidade, pois reconhece os graus de liberdade e de responsabilidade
diante das ações humanas.
7. O pecado como desordem da vontade
Embora o
pecado ainda não seja o foco central (será abordado em maior profundidade nas
questões posteriores), Tomás já começa a delinear o pecado como desordem voluntária
do ato humano. Quando a razão conhece o bem e a vontade deliberadamente se
afasta dele, há pecado.
O pecado
é, portanto, sempre um ato humano defeituoso, que não se ordena
corretamente ao fim último. E como o fim último é Deus, todo pecado é, em última
análise, uma ofensa contra Deus, ainda que ocorra em relações humanas.
8. O amor como centro da vida moral
De modo
implícito e progressivo, Tomás vai preparando o terreno para afirmar, mais
adiante, que a caridade é a maior das virtudes. Ainda que o amor natural pelas
coisas boas mova a alma, é o amor sobrenatural de Deus, infundido pela
graça, que dá verdadeira ordem e mérito à ação humana.
- A caridade será o
critério último da vida moral, mas aqui ela já aparece como horizonte.
- O ser humano foi criado para
amar e ser amado; tudo o mais é meio para esse fim.
Síntese filosófica e teológica do Volume III
Este
volume da Suma Teológica é decisivo para entender o coração da moral
cristã clássica. São Tomás propõe uma ética racionalmente fundamentada,
porém aberta à graça. Ao contrário de uma moral de obrigações arbitrárias, ele
apresenta uma moral do ser e do fim último, em que:
- A ação humana é boa quando
está de acordo com a natureza racional do homem e orientada para Deus.
- O pecado é desordem, e a
virtude é ordem.
- A razão governa a vontade e
as paixões.
- A liberdade é orientada pelo
bem, e não pela autonomia absoluta.
- A alma humana é feita para
amar o bem supremo, que é Deus.
O homem é
um ser em tensão: entre a razão e os sentidos, entre a liberdade e a inclinação
natural, entre o finito e o eterno. A tarefa da moral cristã, segundo Tomás, é educar
a liberdade para o bem, e unificar a pessoa humana no amor ao seu
Criador.
Vocação Para o Bem Comum
O Volume
III da Suma Teológica, que compreende da Segunda Parte – Questões 1 a
48:3, é um tratado magistral sobre a vida moral do homem, integrando
filosofia aristotélica com teologia cristã. Ele estabelece os fundamentos da
ética tomista, cuja força está em sua clareza racional e em sua abertura ao
sobrenatural.
Aqui, São
Tomás de Aquino demonstra que a vida moral não é um conjunto de regras
externas, mas a resposta livre e ordenada do homem à sua vocação para o bem
supremo. A razão, a vontade, as paixões e a liberdade são dimensões
complementares da alma humana, e devem ser educadas à luz da verdade e da
graça.
Esse
volume é essencial para qualquer estudo sério de ética, filosofia moral,
antropologia cristã ou espiritualidade. É a prova de que a fé pode dialogar com
a razão em alto nível, sem perder sua profundidade nem sua exigência. Lista de Resumos
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