A Suma
Teológica de Tomás de Aquino não é apenas uma das obras mais
influentes da filosofia e da teologia ocidental — é também uma janela para um
modo de pensar em que razão, fé e metafísica formam um triângulo indissociável.
No Volume I da edição bilíngue, capa dura, que cobre a Primeira Parte,
Questões 1 a 43, somos introduzidos ao coração do pensamento tomista: a
estrutura do ser, de Deus e da criação, exposta com rigor lógico e uma
serenidade intelectual que impressiona até hoje.
1. Uma obra que não se esgota
O Volume
I da edição bilíngue respeita essa intenção original ao apresentar o texto em latim
e português, permitindo que o leitor contemporâneo acompanhe a cadência e a
estrutura sintática que sustentam a argumentação do Aquinate.
2. A Questão 1: O que é a Sagrada Doutrina?
Tomás
abre a Suma com uma pergunta crucial: “É necessária uma doutrina sagrada
além das ciências filosóficas?” Sua resposta, firmemente ancorada na fé
cristã, é que sim — pois a razão sozinha não basta para conhecer as verdades
necessárias à salvação. Ainda que a filosofia possa nos levar ao conhecimento
de Deus, há verdades reveladas que escapam à luz natural da razão.
Assim, a teologia se fundamenta não apenas na razão, mas também na revelação
divina.
Aqui,
vemos o tomista equilibrar com maestria a confiança na racionalidade com o
reconhecimento dos limites humanos. Esse equilíbrio é talvez um dos traços mais
admiráveis de sua obra.
3. As Questões 2 a 11: A existência e a natureza de Deus
A partir
da Questão 2, Tomás enfrenta de frente o tema que será a coluna
vertebral da Primeira Parte: Deus. Aqui aparece sua célebre argumentação
das Cinco Vias — cinco modos de demonstrar racionalmente a existência de
Deus com base no movimento, na causalidade, na contingência, nos graus de
perfeição e na ordenação final das coisas.
Não se
trata de provas no sentido moderno, mas de vias de acesso ao mistério divino,
onde a razão colhe os vestígios do Criador na criação. Tomás não quer “provar”
Deus como se fosse um objeto entre outros, mas mostrar que a existência do
mundo exige uma causa primeira, necessária e transcendente.
Nas
questões seguintes (3 a 11), ele analisa a essência, simplicidade,
perfeição, bondade, imutabilidade, eternidade, unidade e outros atributos
divinos. É um mergulho filosófico-metafísico em busca de compreender quem é
Deus em si mesmo, ainda que sempre sob a consciência de que, sendo finitos,
só podemos falar de Deus por analogia.
4. Questões 12 a 26: Como podemos conhecer Deus
A segunda
grande seção do volume trata do conhecimento de Deus por parte das criaturas.
Tomás pergunta: Podemos ver Deus? Podemos compreendê-lo? Como falamos sobre
Ele?
Aqui, o
leitor se depara com um ponto central da teologia tomista: o princípio da
analogia. Não falamos de Deus do mesmo modo como falamos das coisas do
mundo. Se dizemos que Deus é bom, não queremos dizer que Ele é “bom como um
homem bom” — mas que Ele é a própria bondade, em um grau que escapa à nossa
medida. Essa delicada operação linguística — nem unívoca, nem equívoca — mostra
o cuidado de Tomás ao tratar de temas transcendentais.
Nas
Questões 22 a 26, discute-se a providência divina, a vontade de Deus, o mal
e a predestinação — temas que ainda hoje são debatidos em teologia e
filosofia com grande paixão. A noção tomista de providência, por exemplo, evita
os extremos do fatalismo e do deísmo, propondo que Deus governa o mundo sem
anular a liberdade das criaturas.
5. Questões 27 a 43: A Trindade e a Criação
A
terceira parte do volume trata de dois temas centrais: a Trindade e a criação.
Tomás
aborda o mistério trinitário com enorme precisão teológica: o Filho é gerado
eternamente pelo Pai, e o Espírito Santo procede do Pai e do Filho. Não
se trata de três deuses, mas de uma única essência em três pessoas
distintas. Tomás explora essas relações internas em linguagem metafísica, mas
sempre com grande reverência pelo mistério.
Já nas
Questões 44 a 49 (que não estão neste volume, mas formam o próximo bloco), ele
passa à criação propriamente dita. Porém, nas Questões 43 e anteriores,
ele já lança as bases da doutrina da criação ex nihilo: Deus cria por livre
vontade, sem necessidade alguma, e tudo o que existe depende continuamente de
Deus para subsistir.
6. Uma obra para pensar o mundo e a si mesmo
O Volume
I da Suma não é apenas um tratado teológico — é uma escola de pensamento. A
estrutura lógica das perguntas e respostas convida o leitor a raciocinar
passo a passo, sempre acolhendo objeções antes de formular uma conclusão.
Esse método escolástico, muitas vezes criticado por parecer rígido, revela-se
na verdade uma dança entre razão e humildade: ninguém afirma nada sem
antes ouvir as objeções contrárias.
Além
disso, ao falar de Deus, do ser, da criação, da verdade, do bem e do mal, Tomás
fala também de nós mesmos. Cada questão nos convida a refletir sobre o
que significa existir, conhecer, amar, buscar sentido. Mesmo que o leitor não
compartilhe da fé cristã, encontrará ali um convite à contemplação e ao rigor
intelectual raramente igualado na história do pensamento.
7. A importância da edição bilíngue
Vale
destacar o cuidado editorial desta edição bilíngue: o latim original em
página espelhada com a tradução em português permite que estudiosos mais
exigentes acompanhem a riqueza conceitual do texto, enquanto o leitor geral se
beneficia de uma tradução fluente e fiel.
A
encadernação em capa dura torna o volume não apenas uma obra de estudo,
mas também um objeto de valor duradouro, ideal para quem deseja formar uma
biblioteca filosófico-teológica sólida.
Conclusão: um convite à sabedoria
Ler o
Volume I da Suma Teológica é entrar em contato com uma visão de mundo em que
tudo tem causa, propósito e inteligibilidade. É ser desafiado a pensar com
rigor, mas também a reconhecer que há mistérios que nos ultrapassam, e
que nem tudo pode ser explicado nos termos da ciência moderna.
Tomás de
Aquino, ao escrever sobre Deus, não nos oferece respostas prontas, mas vias
de acesso ao mistério — e, talvez por isso, sua obra continue tão viva,
mesmo séculos depois. Esta primeira parte da Suma é uma jornada pelo coração do
pensamento cristão medieval — e uma fonte inesgotável de perguntas para todos
os tempos.
#SumaTeológicaVolumeI #SãoTomásdeAquino